Empreendedorismo e Paternidade
Existe uma questão quase filosófica dentro da esfera empresarial que sempre me incomodou: “qual o objetivo de uma empresa?”, ou ainda “por que as empresas existem?”. Os mais pragmáticos não hesitam um segundo e, com medo de perder tempo com tamanha abstração sentenciam: o objetivo da empresa é gerar riqueza para os sócios – ou acionistas. Afinal, argumentam esses, quando o empresário criou a empresa, ele estava pensando principalmente em enriquecer. Logo, se é o lucro que ele buscava, está decretado: é o lucro seu objetivo. Faz sentido. Apesar de conhecermos muitos empresários que não criaram suas empresas pensando no lucro em primeiro lugar, nossa experiência permite afirmar que a maioria o coloca nessa posição e praticamente todos os outros o consideram um dos três grandes motivos para lançar-se à aventura empreendedora. Então, repito: faz sentido.
Mas, então, o que pensar sobre a frase de um consagrado professor segundo quem, dizer que o objetivo de uma empresa é lucro, é o mesmo que dizer que o objetivo do ser-humano é comer. Ele pondera que, assim como o ser-humano precisa de comida para viver, a empresa precisa do lucro para continuar viva. O que não significa que o objetivo do primeiro é a comida nem do último o lucro. Para adeptos dessa forma de pensar o objetivo de uma empresa é satisfazer todos seus stakeholders, que incluem funcionários, clientes, fornecedores, sociedade e outros, além do acionista. Também faz sentido já que se um desses públicos não estiver satisfatoriamente atendido, corre-se o risco de ver a empresa acabar.
Sempre achei que as duas argumentações faziam sentido e sempre me incomodei com a sensação de que algo estava errado. Afinal, duas respostas diferentes não podem estar certas simultaneamente. Engano meu. Uma metáfora que me ocorreu recentemente esclarece isso de forma elegante e conciliadora.
Imaginemos um casal que resolve ter um filho. Se perguntarmos para eles porque estão tendo o bebê, a resposta será centrada em suas expectativas e desejos. Dirão que querem o filho para que o lar seja mais alegre, para que eles possam curtir, para poder passar tudo o que sabem para alguém, para ir ao jogo de futebol ou fazer compras com eles, para perenizar a família e assim por diante. Enfim, eles terão um filho para satisfazer os seus anseios. Nós todos sabemos que durante um tempo a criança é mesmo um instrumento de realização dos pais, mas não demora muito para que o pequeno ser, comece a decidir sozinho para que ele ou ela quer existir. E freqüentemente os motivos são muito diferentes daqueles dos pais. Ganham vida própria e passam a ter cada vez mais uma existência totalmente independente e desconectada do motivo pelo qual foram concebidos.
Percebo com clareza que assim é uma empresa. Quando criada, ela tem um fim muito específico, que na maioria das vezes está ligado à questão do enriquecimento. Mas na medida em que cresce, começa a ganhar uma vida e objetivos próprios, muitas vezes enraizados na natureza complexa de seus muitos stakeholders.
No caso familiar, o que costuma acontecer quando os pais não percebem que os motivos pelos quais o filho foi criado não são mais a seiva que o mantém vivo? Revolta, conflito e frustração mútua. É comum até que haja uma separação – temporária ou definitiva; total ou parcial – até que os pais entendam que o filho não é propriedade deles. Quando isso acontece, uma nova realidade é inaugurada e outra relação é construída. Uma relação em que os pais são beneficiários da existência do filho, mas dentro de outra perspectiva, já que o filho não existe mais para os pais, apesar deles estarem incluídos como um dos motivos de sua existência.
E no caso do empresário que não percebe que os motivos pelos quais a empresa foi crida não é sua real razão de existir? Revolta, conflito e frustração. É óbvio que para continuar existindo a empresa vai precisar dar lucro, da mesma forma que o filho vai precisar continuar comendo, mas é importante entender que a essência de uma empresa é propriedade do empresário até um momento (que varia de empresa para empresa), mas que em um dado momento a empresa ganha essência própria e diferente daquela de seu criador, apesar de carregar para sempre alguns traços de quem a fundou. Assim como um filho carrega para sempre traços de seus pais: físicos, comportamentais ou ambos. Nesse momento o empresário pode ser considerado um dos motivos da existência da empresa, mas não seu único motivo. E a capacidade de entender isso está diretamente ligado à capacidade de fazer a empresa prosperar de forma saudável e vigorosa.
Assim como um pai pode bloquear o desenvolvimento de um filho por tentar mantê-lo seu, um fundador pode fazer o mesmo com a empresa.
O ser-humano é complexo e multifacetado e para que haja plenitude é importante que se entenda a multiplicidade de seus objetivos. Com a empresa a história se repete. Como tragédia ou como comédia.