O Futuro do Treinamento & Desenvolvimento em Três Desafios, Sete Destaques e Dois Temas
A ATD2023 contou com uma avalanche de dados e informações vindas de todos os lados: três key note speakers, dezenas de sessões educativas, dúzias de livros, centenas de expositores e milhares de profissionais debatendo ideias freneticamente. Fácil de se afogar nesse mar de excessos. Mas estamos aqui para jogar o colete salva-vidas, que não só lhe permitirá flutuar acima disso tudo, mas também vislumbrar o horizonte, enxergando o futuro dessa fascinante área do desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional.
Mergulhamos fundo e analisamos todos os sinais que captamos, apartando-os dos ruídos que poderiam confundir, para oferecer uma visão clara do presente e do futuro que se desenha. Terra à Vista.
Traduzimos nossa análise em três grandes desafios que preocupam os profissionais da área, sete destaques que ajudam a equacionar tais desafios e dois temas que se destacaram. Vamos a eles.
Os Desafios
Aqueles que trabalham ou se interessam por desenvolvimento sabem que nossas preocupações são muito mais numerosas que três. Mas na ATD23 e no ecosistema que cercou essa conferência um trio de desafios ganhou um tom mais alto nas discussões. As perguntas que traduzem esses desafios são:
Como despertar e manter o interesse em aprender nos colaboradores da empresa?
Uma dos recursos mais escassos no mundo de hoje é a atenção das pessoas. Por isso, a área de T&D das empresas precisa desenvolver cada vez mais competências para fazer sua voz se erguer acima do enorme zumbido que atordoa os colaboradores. E essa voz precisa ser suficientemente potente para fazer com que as pessoas queiram dedicar tempo ao seu desenvolvimento ao invés de estarem focadas apenas na agitação do dia a dia. E uma vez no evento de aprendizado (que pode ser treinamento, EAD, coaching ou qualquer outra metodologia) garantir que os mediadores desse processo consigam prender a atenção das pessoas de forma profunda e consistente.
Como fechar a lacuna entre saber e fazer, transformando o conhecimento adquirido em ação e resultado?
Ganhar espaço na mente do colaborador não encerra os desafios do T&D. É preciso garantir que os participantes dos programas de desenvolvimento consigam agir com base no que aprenderam fechando o que os americanos chamam de “knowing-doing gap”, a lacuna entre saber e fazer.
Como fazer com que a alta liderança acredite no retorno do investimento em desenvolvimento de talentos na organização?
É papel da área de T&D mostrar claramente para a alta liderança da organização que existe uma forte conexão entre os investimento realizado ali, desenvolvimento de competências, mudanças de comportamento e resultados de negócio, alimentando a credibilidade da área, o que tem o potencial para trazer novos recursos e apoio para mais investimentos, fechando um ciclo virtuoso: investimentos, comportamentos, resultados, credibilidade e mais investimentos.
Os Destaques
Alguns tópicos estiveram, consistentemente, em destaque nessa edição da ATD. Eles não esgotam, obviamente, o arsenal de insights possíveis, mas para são aqueles que valem menção especial:
Inteligência Artificial
Seria um preocupante se o tema da Inteligência Artificial não estivesse presente de forma marcante na ATD23. Isso significaria uma total desconexão com a realidade. Mas não foi o caso … muito pelo contrário. A IA ocupou espaço nas sessões, na livraria, na exposições e nas discussões. Com mais perguntas do que respostas. Mais dúvidas do que certezas. Algumas ferramentas. Algumas aplicações. Muitas previsões. Como em toda inovação tecnológica, existe uma lacuna de tempo entre sua existência e sua efetiva utilização. Mas aqueles que ficarem esperando a abordagem se consolidar para dar o primeiro passo, correm o risco de “perder o bonde”. Se ainda não é possível explorar toda a amplitude e profundidade da ferramenta, já é possível fazer algumas experiências. Aprender fazendo: errando, corrigindo, melhorando. Por exemplo, experimentando usar recursos como o ChatGPT para dinamizar os cursos existentes e ir expandindo aos poucos.
Neurociência Aplicada
Quanto mais o tempo passa, mais pesquisas são realizadas nessa área. E quanto mais se entende como o cérebro e a mente humana funcionam, mais possibilidades se desenham. Técnicas, ferramentas, e até truques (chamados “brain hacks”) possibilitam gerar maior interesse, participação, foco, memorização e aplicação do que está sendo aprendido. Os mediadores de treinamentos presenciais e virtuais, workshops e palestras, entre outros precisam cada vez mais entender e saber aplicar os conhecimentos que emergem desse vasto e profundo campo do conhecimento humano.
Metodologias Lúdicas
A ATD23 confirmou aquilo que já vínhamos percebendo a muito tempo. Até por isso, criamos a área de Games na Ynner em 2022. As pessoas já são exigidas demais no trabalho e querem treinamentos que sejam agradáveis e envolventes além de eficazes e orientados para resultados. Criaram até um nome para isso: Edutainement, ou Educational Entertainment (Entretenimento Educacional). A ideia é usar formas alternativas de fazer a mensagem chegar à mente do participante e energizá-lo para a ação. Mas existe uma armadilha: ficar só no entretenimento e esquecer a educação. É preciso que a atividade lúdica esteja, verdadeiramente, a serviço do desenvolvimento. É fundamental o equilíbrio entre os três pilares que na Ynner chamamos de Corpo, Mente e Alma; onde Corpo significa aplicabilidade, Mente significa conceitos sólidos, e Alma significa prazer em aprender, que é onde se encaixam as metodologias Lúdicas e os Games.
Coaching e Mentoring
Nossa impressão é que em mais nenhum lugar do mundo conseguiram ferir tão profundamente o coaching quanto no Brasil. Pessoas mal preparadas e até mal intencionadas existem em todos os cantos do planeta, mas aqui no Brasil elas conseguiram fazer um estrago na imagem dessas magníficas metodologias de desenvolvimento, o que, as vezes, afasta alguns profissionais que poderiam se beneficiar grandemente delas. No restante do mundo elas são consideradas instrumentos fundamentais de desenvolvimento, a despeito de algum arranhão ocasional na imagem. Principalmente nos níveis mais elevados da hierarquia empresarial. Uma maneira de conduzir o processo de desenvolvimento de forma personalizada e focada nos interesses do aprendiz. Para tal, fica claro a importância dos assessments como apoio e instrumento de promoção de autoconhecimento como base para o processo, seja de coaching, seja de mentoring. O que a ATD23 nos mostrou é que precisamos vencer os estragos feitos pelos irresponsáveis na imagem desses instrumentos de desenvolvimento magníficos para poder usufruir de seus benefícios únicos.
Storytelling
É impressionante a “resiliência” desse abordagem. O Storytelling, não só está entre os destaques em 2023, mas vem ganhando mais e mais evidência a cada ano. Pois é: faz parte da nossa natureza entender e absorver histórias com facilidade. Então, um programa de treinamento não pode ficar sem boas histórias. Seja ilustrando momentos específicos de uma capacitação ou abraçando uma sessão como um todo, o que pode acontecer, por exemplo, através dos RPG’s (Role Playing Games). Alguns especialistas falaram sobre o poder especial das “histórias fundadoras” numa empresa. As narrativas que contam sobre o surgimento da organização e servem como lastro emocional para os colaboradores.
On the Job Training
“O que escuto, esqueço. O que vejo, entendo. O que faço aprendo!”. Esse provérbio chinês sintetiza o impacto do “On the Job Training” ou “Treinamento durante o Trabalho”. A ideia central é usar o momento do trabalho para “intencionalmente” aprender. É o que Anders Ericsson chama de “prática intencional”. Muito diferente da “prática simples”. Apenas a experiência não te leva a excelência. Mas trabalhar com o objetivo de aprender, sim. E quando existe um agente externo ajudando esse aprendizado os resultados são ainda mais relevantes. É a chamada “prática deliberada”. Esse agente externo pode ser um coach, mentor ou, preferencialmente o próprio líder. Mas é fundamental que tanto na “prática intencional” quanto na “prática deliberada”, exista um processo de aprendizado planejado contemplando uma intervenção antes do trabalho, durante o trabalho e após o trabalho.
Skill First Development
Como costuma acontecer com novas abordagens, essa ainda está nebulosa. Se recorrermos à sua perspectiva mais ampla – Skill Based Organization- veremos que se trata de uma filosofia gerencial que, ao invés de entender as pessoas como executoras de uma função, as encara a partir dos seus conjuntos de capacidades para que possam, num arranjo mais flexível, realizar diversos trabalhos diferentes baseados naquilo que podem fazer e não em um “job description” rígido. Mas no mundo do desenvolvimento o entendimento parece ser um pouco diferente, fazendo mais referência a uma abordagem educacional que se concentra no desenvolvimento e aquisição de habilidades imediatamente aplicáveis, e não apenas na aquisição de conhecimento. O Skill First Development enfatiza a aplicação prática e o domínio de habilidades relevantes para contextos do mundo real e configurações profissionais. Há ainda outra perspectiva que enfatiza o valor de treinamentos práticos onde as pessoas aprendem “botando a mão na massa” o tempo todo. Praticando em escala laboratorial as competências que devem ser desenvolvidas.
Os Temas
Apesar do foco da conferência da ATD estar mais em filosofias, metodologias e ferramentas que abracem todos os temas, existe, sim, espaço para a discussão dos principais temas de treinamentos e as respectivas competências que eles suportam. Muitos foram discutidos em algum nível, mas dois deles estiveram muito presentes em todos os espaços: livraria, palestras, sessões, exposições e debates. São eles:
Liderança
Existem infinitas abordagens possíveis para o tema Liderança, e em San Diego nesse ano, não foi diferente. Cada palestra, livro e discussão tratou o assunto com um viés diferente, mas alguns aspectos estiveram presentes com mais frequência, tais como o papel do líder no processo de atração e retenção de talentos e o impacto dele no engajamento dos colaboradores. O fato é que a ATD 23 enfatizou aquilo que sabemos: o líder influencia fundamentalmente a produtividade e bem-estar das pessoas do seu time e, portanto, não se pode deixar seu desenvolvimento acontecer ao sabor do acaso. É preciso estruturar um programa que dê conta de preparar e instrumentalizar os líderes para que possam construir uma cultura atraente e acolhedora ao mesmo tempo em que consegue fazer com que as pessoas sejam produtivas.
Diversidade, Equidade e Inclusão
Cada vez menos será possível uma organização prosperar sem se conscientizar de suas responsabilidades sócio ambientais. E não existe empresa consciente sem colaboradores conscientes. Então, as pessoas precisam ser desenvolvidas nesse sentido e as áreas de T&D estão assumindo seu papel de entender como colocar isso em prática. Não é simples. Afinal, não estamos falando de mais uma simples habilidade. É necessário gerar um impacto relevante em crenças e valores arraigados profundamente. Talvez por isso, uma das abordagens bastante utilizadas em programas de DEI passa pela discussão dos viéses inconscientes para só depois entrar em temas específicos relativos às manifestações práticas. Além da diversidade étnica e de gêneros, também ficou marcada a preocupação com a diversidade etária, cognitiva e a neurodiversidade.